A Inveja e a Calúnia
Creio que devíamos ter vergonha do que andamos a fazer. Queremos recristianizar a sociedade, mas é preciso, em primeiro lugar, que nos recristianizemos a nós mesmos.
Alguma coisa dissemos já do que encontrariam os sedentos de luz na obscuridade de nossos templos; pelo contrário, do que ainda não falamos é do que podem encontrar nas bocas maldizentes dos invejosos que giram pelas nossas ruas.
Eis aqui dois novos motivos para a tua rebeldia: a inveja e a calúnia.
São duas irmãs de um mesmo pecado que se vai infiltrando entre os
homens de Cristo, homens que chegaram a esquecer, não só que existe um
preceito novo -- o da caridade, mas também que existe uma virtude entre
as cardeais que se chama justiça.
Não conheces tua essa "crítica"? É o vinho das obras autenticamente cristã, a marca de fogo que Deus imprime na vida de seus homens.
Se queres fazer nada na vida, deixa-te impressionar por essa crítica babosa e maligna dos invejosos. Não sentiste nunca muito de perto a dor -- se não fossemos cristãos, chamar-lhe-íamos desespero -- de ver como os homens interpretam, de longe, o teu trabalho?
Fiz-te a pergunta. E concordaste com reflexos de mágoa no rosto. E contaste-me a tua história, que é a de muitos homens.
Tinhas posto o melhor de teus amores naquela empresa que fitava o céu; se misturaste ambições, eram ambições divinas -- devorava-te o zelo da messe. Tanto havias pensado antes de dar o primeiro passo... Nem querias contar com o dinheiro; tão louco estavas... E depois?... Que escutaram teus ouvidos?
"Línguas maldizentes e enganadoras, semelhantes a carvões de fogo voraz, como flechas agudas arremessadas por um braço vigoroso" (Salmo, CXX, 4), fizeram-te duvidar dos teus ideais divinos ou das tuas ambições nobres e humanas. Levaste a cruz da calúnia... Vivias tão junto de Deus!... Mas sorriste ao pensar que são as crianças enfermiças as mais mimadas no lar, e sentiste o orgulho de ser tratado como filho forte.
Não pretendas -- seria tolice -- contentar a todos com o teu trabalho.
Quando sentires na tua face a chicotada da calúnia -- se trabalhas seriamente em alguma coisa, não é de admirar que de fora te ataquem --, pensa com Tertuliano: “Não há culpa que pelo martírio se não perdoe; damo-vos graças pelas vossas sentenças. Quando vós nos condenais, Deus nos absolve"¹.
Procura contentar a Deus e fica ciente de que outros procurarão que tropeces e malogres. Que mesquinho é o homem quando pretende dissimular a sua impotência arremessando insídias sobre o fruto do trabalho dos outros! Mas assim é: às estéreis, doe-lhes ouvir falar de filhos. E a inveja produz sempre o fruto amargo da calúnia.
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1. Apocalíptico, cap. final.
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Excerto de URTEAGA, Jesus. O valor divino do humano. São Paulo: Quadrante, 1967.
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