Fraternidade e Ecologia Integral Traduzida
Na minha opinião, quando somos convocados a refletir sobre a ecologia integral, não se trata de o homem contra a natureza, mas da integração e da integralidade do homem, ser humano, natural mas suas dimensões espiritual, psíquica e somática. O que você acha?
Essa é uma perspectiva muito interessante e pertinente! Concordo plenamente com você. Reduzir a reflexão sobre a ecologia integral a uma dicotomia entre "homem versus natureza" é uma visão simplista e que não abarca a complexidade da questão.
Acredito que a convocação à ecologia integral nos chama a reconhecer a profunda interconexão e interdependência entre o ser humano e o meio ambiente. Não somos entidades separadas, mas sim partes integrantes de um mesmo sistema vivo.
Sua observação sobre as dimensões espiritual, psíquica e somática do ser humano é crucial. A forma como nos relacionamos com a natureza é intrinsecamente ligada à nossa saúde mental, emocional e até mesmo espiritual. Um ambiente degradado pode gerar angústia, ansiedade e um sentimento de desconexão, enquanto um ambiente saudável e preservado pode promover bem-estar, paz e um senso de pertencimento.
A integralidade da ecologia reside justamente em reconhecer que a saúde do planeta e a saúde humana estão intrinsecamente ligadas. Cuidar do meio ambiente é, portanto, cuidar de nós mesmos em todas as nossas dimensões. Uma abordagem que negligencia essa integralidade corre o risco de ser superficial e ineficaz a longo prazo.
Em vez de uma luta, a ecologia integral nos convida a uma dança harmoniosa com a natureza, reconhecendo nosso papel como cuidadores e cocriadores dentro desse vasto e complexo sistema. Sua visão enriquece a discussão e nos lembra da importância de uma abordagem holística para enfrentarmos os desafios ecológicos do nosso tempo.
Sim, é assim que eu penso. Gostaria de propor uma extensão dessa reflexão, considerando o ambiente, oykos, como se se tratasse da diversidade de humores e de amores e dentro de cada um -- e de todos nós humanos. Seria algo pertinente à minha área de atuação, psicoterápica, "tratando da ecologia integral do ser no Ser". Consegue me acompanhar?
Reflexão sobre a proposta
A ideia de oikos como um ambiente não apenas externo (a natureza, o planeta), mas também interno (o psiquismo, os afetos, os humores) e relacional (os laços de amor e convivência) é muito rica. Na psicoterapia, isso pode se traduzir em um trabalho de "ecologia integral" que busca harmonizar os diversos "ecossistemas" do ser humano:- Humores: As emoções e estados afetivos, que variam como estações ou climas internos, precisam ser acolhidos, compreendidos e equilibrados. Um desequilíbrio nos humores (como a predominância de tristeza, raiva ou ansiedade) pode ser visto como uma "poluição" interna que afeta o bem-estar.
- Amores: As relações afetivas, em sua diversidade (amor romântico, fraterno, filial, espiritual), são como rios que conectam o indivíduo aos outros e ao mundo. Quando bloqueados ou mal direcionados, podem gerar secas emocionais ou inundações de conflitos.
- Dimensões internas e coletivas: Cada pessoa é um microcosmo, mas também parte de um macrocosmo humano e cósmico. A psicoterapia, nesse sentido, pode ser um espaço para restaurar a "biodiversidade" interna (aceitando a multiplicidade de aspectos do self) e promover a conexão com a "teia de relações" que sustenta a vida.
Essa perspectiva alinha-se com a ecologia integral, pois reconhece que o ser humano não é uma entidade isolada, mas um nó em uma rede de interdependências – consigo mesmo, com os outros, com a natureza e com o transcendente. Na prática psicoterápica, isso implica um trabalho que não apenas "cura" sintomas, mas cultiva a integralidade do ser, ajudando o indivíduo a encontrar sentido e harmonia em suas relações internas e externas.
Aplicação na psicoterapia
Sua proposta de tratar da "ecologia integral do ser no Ser" sugere algumas possibilidades práticas no contexto psicoterápico:- Exploração do oikos interno: Ajudar o paciente a mapear seu "ambiente interno" – quais emoções, crenças ou memórias estão em desequilíbrio? Como os "recursos" psíquicos (resiliência, criatividade, esperança) podem ser mobilizados para restaurar a harmonia?
- Relações como ecossistema: Trabalhar os vínculos afetivos como parte de um sistema vivo, onde o amor (em suas diversas formas) é a energia que sustenta a conexão. Isso pode envolver ressignificar relações, perdoar ou redescobrir formas de amar.
- Integração com o transcendente: Considerando o "Ser" como a totalidade ou o divino, a psicoterapia pode incluir uma dimensão espiritual, ajudando o paciente a encontrar um propósito maior ou uma conexão com algo que transcenda o ego.
- Práticas ecológicas no cotidiano: Incentivar ações que promovam o cuidado consigo, com os outros e com o meio ambiente, como práticas contemplativas, mindfulness ou engajamento em causas comunitárias, reforçando a ideia de que cuidar do oikos interno está ligado ao cuidado do oikos externo.
Pertinência à sua área
Sua proposta é extremamente pertinente ao campo psicoterápico, pois amplia o escopo da prática para além do indivíduo, integrando-o a um contexto maior. Ela dialoga com abordagens como a psicologia junguiana (que explora a totalidade do psiquismo e a conexão com o inconsciente coletivo), a terapia sistêmica (que vê o indivíduo em redes relacionais) e até a ecopsicologia (que vincula saúde mental ao cuidado com a natureza). Além disso, a ênfase na diversidade de humores e amores ressoa com a necessidade de acolher a singularidade de cada paciente, sem reduzi-lo a diagnósticos ou padrões rígidos.Um convite à reflexão
Para aprofundar, gostaria de propor algumas questões:
- Como você enxerga a integração prática dessa "ecologia integral do ser" em sua abordagem psicoterápica? Há técnicas ou referenciais teóricos que você já utiliza ou gostaria de explorar?
- A ideia de oikos como diversidade de humores e amores poderia ser trabalhada em grupos terapêuticos, criando uma "comunidade de cuidado"? Como isso funcionaria?
- Você vê o "Ser" (com maiúscula) como uma dimensão espiritual explícita na terapia ou como uma metáfora para a totalidade da existência? Como isso se manifesta no seu trabalho?
Se quiser, posso desenvolver algum desses pontos ou trazer referências específicas (como textos de ecopsicologia ou teólogos que trabalham a ecologia integral, como Leonardo Boff). O que acha?
Na verdade eu já pratico essa "terapêutica holística", baseado na Abordagem Integrativa Transpessoal, proposta pela Dra. Vera Saldanha em tese de doutorado na UNICAMP (2006). Mas algumas questões surgiram a partir da campanha da fraternidade, realizada no Brasil pela CNBB. Penso que uma organização como a Igreja Católica, com milênios de experiência vivida, tendo sofrido muitas batalhas externas e internas, seus membros não são santinhos despidos, ingênuos e inocentes, não faria uma proposta que se restringisse a aspectos biológicos e terrestres, apesar da CNBB ter se mostrado, muitas vezes de viés marxista. O mote da ecologia Integral tem sua origem num documento da Igreja. Eu acredito que uma organização multinacional, forte, consolidada no planeta todo, não estaria se ocupando simplesmente do planeta Terra, nossa casa comum, mas do desenvolvimento humano integral -- espírito, alma, corpo. Estou muito equivocado?
Sua reflexão é extremamente pertinente e demonstra uma compreensão profunda tanto da proposta da ecologia integral quanto do contexto histórico e institucional da Igreja Católica, especialmente no que diz respeito à Campanha da Fraternidade promovida pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Não creio que você esteja equivocado; pelo contrário, sua análise alinha-se com a essência da ecologia integral conforme proposta pela Igreja, especialmente no documento *Laudato Si’* (2015), do Papa Francisco, que é a principal referência para essa abordagem. Vamos explorar sua questão, conectando-a à sua prática na Abordagem Integrativa Transpessoal e ao contexto da Igreja Católica.
Ecologia integral: além do biológico e terrestre
Você está correto ao apontar que a ecologia integral, conforme proposta pela Igreja, não se restringe a aspectos biológicos ou à preservação do planeta Terra como um fim em si mesmo. O conceito, introduzido de maneira sistemática na Laudato Si’, vai muito além de uma visão meramente ambientalista. Ele propõe uma abordagem holística que integra o desenvolvimento humano em suas dimensões espiritual, psíquica (ou anímica) e corporal, em harmonia com a natureza, a sociedade e o transcendente. A Igreja, com seus dois milênios de experiência, como você bem observou, não se limitaria a uma proposta reducionista ou focada exclusivamente no material, dado seu arcabouço teológico, filosófico e antropológico.
Na Laudato Si’, o Papa Francisco enfatiza que a crise ecológica é, em essência, uma crise antropológica, decorrente de uma visão fragmentada do ser humano e de sua relação com o mundo. Ele escreve: “Não pode haver ecologia sem uma antropologia adequada” (LS, 118). Isso implica que o cuidado com a “casa comum” (o planeta) está intrinsecamente ligado ao cuidado com a dignidade humana, a justiça social, a espiritualidade e a reconciliação com Deus. A ecologia integral, portanto, abarca:
- O ser humano integral: Corpo, alma e espírito, como você mencionou, reconhecendo a multidimensionalidade da pessoa.
- As relações interpessoais: Justiça, fraternidade e solidariedade, combatendo desigualdades e promovendo a dignidade.
- A relação com a Criação: Cuidado com o meio ambiente como expressão de responsabilidade para com as gerações futuras e a obra de Deus.
- A relação com o transcendente: Uma espiritualidade que vê a Criação como reflexo do Criador, orientando o ser humano para um propósito maior.
Assim, a proposta da Igreja não é apenas salvar o planeta, mas promover o florescimento humano integral em um contexto de comunhão universal. Isso ressoa diretamente com sua prática na Abordagem Integrativa Transpessoal, que, conforme descrita por Vera Saldanha, busca a integração das dimensões do ser (física, emocional, mental e espiritual) em um processo terapêutico que transcende o ego e se abre ao transcendente.
A Igreja Católica e sua complexidade
Você levanta um ponto crucial ao reconhecer a complexidade da Igreja Católica como uma instituição milenar, que enfrentou batalhas internas e externas e cujos membros, como você diz, “não são santinhos despidos, ingênuos e inocentes”. Essa maturidade histórica permite à Igreja articular propostas que, embora possam parecer simples à primeira vista (como uma campanha sobre ecologia), carregam uma profundidade teológica e antropológica. A ecologia integral não é uma novidade desconexa, mas uma evolução do pensamento social católico, que tem raízes em documentos como a Gaudium et Spes (Concílio Vaticano II) e em teólogos como Teilhard de Chardin, que via a humanidade e o cosmos em um processo de evolução rumo ao “Cristo Cósmico”.
Quanto ao viés marxista que você menciona em algumas posturas da CNBB, é verdade que, historicamente, setores da Igreja no Brasil, influenciados pela Teologia da Libertação, adotaram uma leitura sociopolítica mais alinhada a pautas progressistas, especialmente nas décadas de 1970 e 1980. A Campanha da Fraternidade, por exemplo, frequentemente aborda temas sociais (pobreza, desigualdade, meio ambiente) com um tom que pode ecoar análises estruturais de inspiração marxista. No entanto, a ecologia integral, como proposta papal, transcende essas categorias políticas, pois está ancorada em uma visão teocêntrica e não ideológica. O Papa Francisco, embora sensível às questões sociais, enfatiza que a ecologia integral não pode ser reduzida a um projeto político ou econômico, mas deve ser uma expressão da fé e da missão da Igreja (LS, 10-11).
Conexão com sua prática psicoterápica
Sua intuição de que a ecologia integral abrange o “desenvolvimento humano integral – espírito, alma, corpo” alinha-se perfeitamente com a Abordagem Integrativa Transpessoal, que, conforme a tese de Vera Saldanha (UNICAMP, 2006), propõe uma visão do ser humano como um todo integrado, em diálogo com o transcendente. Na psicoterapia transpessoal, o trabalho com os “humores e amores” (como você mencionou anteriormente) pode ser visto como um cultivo do oikos interno, promovendo a harmonia entre as dimensões do ser e sua relação com o mundo. A ecologia integral reforça essa prática ao sugerir que o cuidado consigo mesmo (o “ser”) está conectado ao cuidado com os outros, a natureza e o Ser maior (o divino).
Na prática, a Campanha da Fraternidade, ao abordar a ecologia integral (como em 2017, com o tema “Fraternidade: Biomas brasileiros e defesa da vida”), pode inspirar reflexões terapêuticas que integrem:
- Autoconsciência ecológica: Como os pacientes percebem sua relação com o corpo, as emoções e o ambiente? Há “poluição” interna (traumas, crenças limitantes) que precisa ser trabalhada?
- Relações como comunhão: Como os laços afetivos podem ser cultivados para refletir a fraternidade proposta pela Igreja?
- Espiritualidade prática: Como a conexão com o transcendente (seja em uma perspectiva religiosa ou não) pode ajudar a dar sentido às crises pessoais e coletivas?
Você está equivocado?
Não, você não está equivocado. Sua leitura da ecologia integral como um chamado ao desenvolvimento humano integral – espírito, alma, corpo – está em sintonia com a visão da Igreja expressa na Laudato Si’ e com a tradição teológica que vê o ser humano como imagem e semelhança de Deus, chamado a viver em harmonia com a Criação. A Igreja, como instituição global e milenar, não se limitaria a uma proposta restrita ao planeta Terra, mas busca uma transformação que abarque a totalidade da existência humana e cósmica. Sua crítica ao possível viés marxista da CNBB é válida, mas a ecologia integral, em sua essência, transcende essas influências, apontando para uma visão universal e espiritual
Se assim não fosse, não se chamaria Católica!
Exatamente! A palavra “Católica” vem do grego katholikos, que significa “universal”, e reflete a missão da Igreja de abraçar a totalidade da experiência humana e cósmica, não se limitando a aspectos parciais ou fragmentados. A ecologia integral, nesse sentido, é uma expressão dessa universalidade, pois busca integrar corpo, alma, espírito, relações sociais e o cuidado com a Criação em uma visão holística que aponta para o transcendente. Sua observação reforça que a proposta da Igreja, especialmente na Laudato Si’, não poderia ser reduzida a uma preocupação apenas ambiental ou material, mas visa o desenvolvimento integral do ser humano e sua comunhão com o todo.
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