A yoga e a oração cristã


 

Esse é um tema muito interessante e desafiador. A yoga e a oração cristã são duas formas de buscar a comunhão com o divino, mas que possuem origens, conceitos e práticas diferentes. Vamos tentar comparar os quatro ramos clássicos da yoga, segundo a Federação Portuguesa de Yoga, com a oração cristã, segundo o Catecismo da Igreja Católica2 e outros textos do Magistério. 

A “Carta sobre alguns aspectos da meditação cristã – Orationis formas”, reconhece “vivo o desejo de aprender a orar de modo autêntico e profundo”, apesar das dificuldades que a cultura moderna coloca à prática do silêncio, do recolhimento e da meditação. Reconhece também que “o interesse que algumas formas de meditação conexas com certas religiões orientais (...) constitui um sinal notável desta necessidade de recolhimento espiritual e dum profundo contato com o mistério divino”. 

Outros cristãos, na esteira do movimento de abertura e de diálogo com religiões e culturas diversas, são do parecer que a própria oração tem muito a ganhar mediante o recurso a tais métodos. Chamando a atenção para o fato de que, em tempos recentes, não poucos métodos tradicionais de meditação próprios do cristianismo foram caindo em desuso, alguns cristãos perguntam: não seria possível, mediante uma nova educação à oração, enriquecer a nossa herança tradicional, incorporando nela elementos que lhe têm sido até aqui alheios?

Os métodos de meditação são tão diversos como os mestres espirituais. Um cristão deve querer meditar com regularidade; doutro modo, torna-se semelhante aos três primeiros terrenos da parábola do semeador. Mas um método não passa de um guia; o importante é avançar, com o Espírito Santo, no caminho único da oração: Cristo Jesus (Catecismo, 2707).

Uma premissa básica é que a oração assume a forma dum diálogo pessoal, íntimo e profundo, entre o homem e Deus. (...) A oração cristã é sempre ao mesmo tempo autenticamente pessoal e comunitária. Por esta razão, recusa técnicas impessoais ou centradas sobre o eu, as quais tendem a produzir automatismos nos quais o orante cai prisioneiro dum espiritualismo intimista, incapaz duma livre abertura para o Deus transcendente. Na Igreja, a legítima busca de novos métodos de meditação deverá ter sempre em conta que, numa oração autenticamente cristã, é essencial o encontro de duas liberdades: a infinita, de Deus, e a finita, do homem.

  • O jñâna-yoga ou yoga do conhecimento é o caminho da sabedoria, que busca a libertação do sofrimento através do discernimento entre o real e o ilusório, entre o eu individual e o eu universal. O praticante de jñâna-yoga usa a razão, a lógica e a meditação para alcançar a iluminação. A oração cristã também envolve o conhecimento de Deus, mas não apenas de forma racional, mas também de forma relacional. O cristão busca conhecer a Deus através da sua revelação nas Escrituras, na criação e em Jesus Cristo, mas também através da experiência pessoal de fé, amor e obediência. A oração cristã é uma relação de aliança entre Deus e o homem em Cristo2. O cristão não busca se libertar do sofrimento, mas sim participar do sofrimento de Cristo, que é fonte de salvação e de esperança. O cristão não busca se identificar com o eu universal, mas sim se conformar à imagem de Cristo, que é a expressão perfeita de Deus.
  • O karma-yoga ou yoga de ação é o caminho da ação desinteressada, que busca a libertação do ciclo de reencarnações através do cumprimento do dever sem apego aos resultados. O praticante de karma-yoga age de acordo com a sua natureza e com a vontade de Deus, sem se deixar influenciar pelo egoísmo, pela aversão ou pelo desejo. A oração cristã também envolve a ação, mas de forma amorosa, na caridade --  Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade - as três. Porém, a maior delas é a caridade. (1 Coríntios 13,13). O cristão busca fazer a vontade de Deus, que é boa, perfeita e agradável;  também busca agradar a Deus, que é seu Pai, seu Amigo e seu Senhor. O cristão age movido pelo amor a Deus e ao próximo, sem se deixar dominar pelo pecado, pelo medo ou pela indiferença. A oração cristã é ação de Deus e do homem; jorra do Espírito Santo e de nós, toda orientada para o Pai2. O cristão não busca se libertar do ciclo de reencarnações, mas sim entrar na vida eterna, que é a comunhão plena com Deus e com os santos.

  • O bhakti-yoga ou yoga da devoção é o caminho do amor, que busca a libertação do sofrimento através da entrega total a Deus, que é visto como o amado, o amigo, o mestre, o pai ou a mãe. O praticante de bhakti-yoga usa o canto, a oração, o ritual e a adoração para expressar o seu amor e a sua devoção a Deus, buscando a sua graça e a sua proteção. A oração cristã também envolve a devoção, mas não de forma exclusiva, mas sim de forma inclusiva. O cristão busca amar a Deus com todo o seu ser, mas também busca amar o próximo como a si mesmo, seguindo o exemplo de Jesus, que é o modelo de amor perfeito. O cristão usa a palavra, a música, a liturgia e a sacramentalidade para expressar o seu amor e a sua devoção a Deus, mas também busca a sua santificação e a sua missão. A oração cristã é o encontro de Deus com o homem, ou seja, do dom de Deus com o acolhimento do homem2. O cristão não busca apenas a graça e a proteção de Deus, mas também a sua glória e o seu reino.

  • O raja-yoga ou yoga real de Patañjali é o caminho da disciplina, que busca a libertação do sofrimento através do controle da mente e do corpo, seguindo os oito passos do yoga: yama (abstenções), niyama (observâncias), asana (posturas), pranayama (controle da respiração), pratyahara (retirada dos sentidos), dharana (concentração), dhyana (meditação) e samadhi (absorção). O praticante de raja-yoga usa a ética, a higiene, a saúde, a energia, a atenção, a contemplação e a união para alcançar o estado de paz e de harmonia. A oração cristã também envolve a disciplina. O cristão busca viver de acordo com os mandamentos de Deus, que são o resumo da lei e dos profetas, seguindo os passos de Jesus, que é o caminho, a verdade e a vida. O cristão usa a graça, a conversão, a oração, a caridade, a justiça, a sabedoria e a comunhão para alcançar o estado de graça e de alegria. A oração cristã é dom do Espírito Santo, que nos ensina a orar a Deus nosso Pai. O cristão não busca apenas o controle da mente e do corpo, mas também a liberdade dos filhos de Deus e a plenitude do Espírito Santo.

  • Podemos concluir que a yoga e a oração cristã têm pontos de contato e de divergência, mas que podem se enriquecer mutuamente, se forem praticadas com respeito, diálogo e abertura. A yoga pode oferecer ao cristão uma boa preparação psico-física em vista duma contemplação realmente cristã. A oração cristã pode oferecer ao yogi uma maior intimidade com Deus vivo e verdadeiro, que se revela como Pai, Filho e Espírito Santo, bem como uma maior participação na sua obra de salvação, que se manifesta na história, na Igreja e no mundo.

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