Um trabalho interior para dar o melhor de si
Como é possível que um projeto antropológico cristão possa ser definido por ensinamentos éticos propostos por filósofos não cristãos, e por isso por Dante, em conformidade com toda a tradição, excluídos da salvação? Não se trata de uma contradição bastante flagrante, até mesmo embaraçosa? Ou não? Ou, muito mais do que uma contradição, esse dado revela algo muito mais interessante e mais encorajador?
“Pessoas que não pensam, que estão à mercê dos acontecimentos, me causam angústia. Gostaria de indivíduos pensantes. É isso que importa. Só depois surgirá a questão se são crentes ou não crentes”. Carlo Maria Martini continuava: "Aqueles que refletem serão guiados em seu caminho". Isso significa que ele entendia a fé não tanto quanto a aceitação de um conjunto de doutrinas estabelecidas no passado por outros que devem ser obedecidas sem pensar, mas sim como um arranjo particular de pensamento.
A fé, portanto, não tanto como fides quae creditur, mas sim como fides qua creditur: isto é, não tanto como confissão de doutrinas e dogmas, mas sim como atitude da mente e do coração. A fé nessa perspectiva é aquela disposição que leva a mente a não querer compreender um fenômeno (essa é a tarefa da razão), mas a contribuir para fazê-lo crescer e frutificar, ou seja, aquela disposição que sabe falar às situações e às pessoas "eu acredito em você", "eu confio em você", certificando-se de que cada um dê o melhor de si; a fé, em suma, como fermento evangélico.
Um trabalho interior
"Dar o melhor de si". Dito assim não há nada de original, pois não são poucos neste mundo que querem dar o melhor de si, como acontece nos estudos universitários, no trabalho, no desporto e em muitas outras áreas. O ponto decisivo, porém, consiste no propósito para o qual se está disposto a dar o melhor de si, empenho que pode ser assumido por dois motivos bem diferentes: para tornar-se melhor em relação a si mesmo, ou ser melhor do que os outros.
Acho que não é difícil constatar que é justamente esse segundo propósito o mais buscado em nosso mundo, onde muito poucos se preocupam em ser melhores e quase todos aspiram a ser os melhores. O adjetivo "melhor" é um comparativo, mas com o artigo definido torna-se superlativo, o grau do adjetivo que expressa superioridade.
Esta superioridade é o que sugerem o instinto e a cultura eurocentrados, como já mostra Homero na Ilíada ao fazer Peleu oferecer o seguinte conselho a Aquiles, seu filho, por isso chamado "o Pélida": "Seja sempre o primeiro e superior aos outros". É isso que a maioria das pessoas costuma buscar quando dá o melhor de si: ser o melhor e assim afirmar sua vontade de poder, um poder exercido sobre os outros e que na verdade se revela ser vontade de poder, ou seja, obter uma vitória que é sempre antes uma derrota de outros. Mas tudo isso não tem muito a ver com a virtude, porque para a virtude conta mais a vitória sobre si mesmo, não sobre os outros, como testemunham unanimemente as grandes tradições espirituais.
Lemos no livro bíblico de Provérbios: "Vale mais quem domina a si mesmo do que quem conquista uma cidade". Cícero escreveu: "Tudo está nisto: que você saiba comandar a si mesmo". Sêneca reitera: "O domínio de si mesmo é o maior domínio". O Dhammapada, o mais conhecido e traduzido texto budista, afirma: "A vitória sobre si mesmo é a maior vitória, tem muito mais valor do que subjugar os outros. Ninguém pode falsificar ou roubar esta vitória". Jesus afirma o mesmo conceito: "de que adianta à pessoa ganhar o mundo inteiro, mas perder-se ou destruir a si mesmo?". O jogo aqui não é exterior, mas interior; não se joga com os outros, mas inteiramente na relação de si consigo mesmo.
Mas se se trata de dar o melhor de si para alcançar a virtude, o que significa concretamente alcançar a virtude? Significa exercitar a inteligência para compreender em profundidade as diversas situações da vida e adquirir aquela ponderação penetrante das coisas que se chama sabedoria, termo que designa da maneira mais adequada a primeira virtude cardeal tradicionalmente chamada prudência (um nome inadequado, porque remete mais à cautela e não às verdadeiras atitudes envolvidas na primeira das virtudes cardeais, ou seja, discernimento, senso de responsabilidade, capacidade de decisão, vigilância mental).
Dar o melhor de si significa também exercer a vontade para perseguir não o próprio evidente interesse, mas o que é justo e correto para todos, ou seja, a justiça (segunda virtude cardeal). Significa também manter a palavra dada, perseverar, resistir, ter coragem para trilhar novos caminhos, exercitando assim a fortaleza (terceira virtude cardeal). Por fim, significa proceder com equilíbrio e centrar aquele justo meio que, quando é adquirido, transforma uma frase ou uma ação numa grande música, "bem temperada", praticando justamente a temperança (quarta virtude cardeal).
Sabedoria, justiça, fortaleza e temperança constituem as chamadas virtudes cardeais. A elas atrelamos as três virtudes teologais, ou seja, fé, esperança e caridade. Essas sete virtudes juntas constituem o cânone ocidental daquelas disposições de nossa energia interior chamadas virtudes e definíveis como "forças do bem", cujo exercício cotidiano nos torna melhores tanto como seres humanos quanto como cultores da vida espiritual.
Para uma ética universal
O termo virtude vem do mundo grego, em particular de Platão e Aristóteles em cujas obras ele se repete em abundância. Na Bíblia há uma única passagem que o apresenta, Sabedoria 8,7: "E, se alguém ama a justiça, seus trabalhos são virtudes; ela ensina a temperança e a prudência, a justiça e a força". Essa passagem faz parte de um livro originalmente escrito em grego e por isso aceito como canônico apenas por católicos e ortodoxos, enquanto judeus e protestantes o consideram apócrifo e não o incluem em seu cânone bíblico, de modo que se pode concluir que na Bíblia hebraica o termo virtude está completamente ausente.
A experiência e o conceito de virtude e sua prática surgiram na Grécia antiga e talvez ainda mais na Roma republicana de Cincinato e Catão, como se pode entender à primeira vista lendo as obras de filósofos gregos e romanos, em particular Platão, Aristóteles, Cícero, Sêneca, Epiteto, Marco Aurélio, Plotino. É a eles que devemos a formulação das virtudes cardeais e o conceito de virtude.
Carlo Maria Martini reconhece isso explicitamente ao escrever que as quatro virtudes cardeais, descritas como "características de todo homem honesto", são encontradas "no pensamento filosófico de Sócrates apresentado por Platão e nos tratados de Platão e Aristóteles", acrescentando que "Santo Ambrósio fala disso apoiando-se nos escritos de Cícero, mostrando assim que não despreza absolutamente a grande sabedoria pagã". Sem os filósofos clássicos teríamos as virtudes teologais, mas não as virtudes que dizem respeito a cada ser humano como agente moral capaz de responsabilidade e por isso chamadas cardeais, ou seja, tais a definir os eixos.
Mas se isso é verdade, como historiograficamente é, as virtudes cardeais representam "atitudes fundamentais que definem um projeto cristão de homem e de mulher". Estamos, então, diante da atestação da universalidade da experiência ética, que se mostra acessível e praticável nos mais altos níveis por todo ser humano na medida em que busca a justiça, independentemente de sua filiação religiosa.
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Baseado no artigo do teólogo italiano Vito Mancuso, ex-professor da Universidade San Raffaele de Milão e da Universidade de Pádua, publicado por La Stampa, 26-08-2022. Na tradução de Luisa Rabolini. Disponível em: <https://www.ihu.unisinos.br/categorias/621703-o-credo-do-cardeal-martini-gostaria-de-individuos-pensantes-artigo-de-vito-mancuso>. Acesso em: 30 Ago. 2023.
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