MOTIVAÇÃO ESPIRITUAL PARA O DISCERNIMENTO
Deus queira pôr em minha alma o que eu devo fazer... (EE 180,1).
Santo Inácio de Loyola, em seus Exercícios Espirituais, nos convida a uma profunda jornada espiritual. Um dos elementos chave dessa jornada são os "preâmbulos", momentos de preparação que nos dispõem para a meditação e a contemplação. Nesta reflexão, exploraremos a importância dos preâmbulos e como eles nos conduzem à "eleição", ou seja, ao discernimento da vontade de Deus para nossas vidas.
A frase de Inácio, "Deus queira pôr em minha alma o que eu devo fazer", resume a essência dessa busca espiritual. Ao longo dos Exercícios, o exercitante é convidado a se abrir à ação do Espírito Santo, permitindo que Deus guie seus passos. Os preâmbulos, nesse contexto, funcionam como uma espécie de aquecimento espiritual, preparando o terreno para que essa experiência de encontro com Deus possa acontecer de forma mais profunda e frutífera.
Para ilustrar a importância da história na espiritualidade inaciana, traçaremos um breve panorama da Companhia de Jesus no Brasil. Fundada no século XVI, a Província Brasileira foi uma das primeiras da Companhia e desempenhou um papel fundamental na evangelização do território. Ao recordar essa história, conectamos nossa experiência espiritual com a de gerações de jesuítas que nos precederam, fortalecendo assim nossos laços com a tradição inaciana.
Explorando os Três Preâmbulos dos Exercícios Espirituais e sua Relação com a Eleição
Os preâmbulos nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola são como um preparo do terreno para a semente da contemplação. São momentos iniciais de disposição interior que nos conduzem a um encontro mais profundo com Deus e nos preparam para o discernimento da Sua vontade.
1º Preâmbulo: Trazer a História
Este primeiro preâmbulo consiste em reviver uma história, seja da vida de Cristo, da própria vida, ou da história da Companhia. A finalidade é sentir a história, não apenas intelectualmente, mas de forma visceral. Ao reviver uma experiência, seja ela positiva ou negativa, estamos nos colocando em contato com as emoções, os aprendizados e as graças que ela nos trouxe.
- Relação com a eleição: Ao reviver histórias, especialmente aquelas que marcaram nossa vida, estamos nos permitindo identificar padrões, desejos e medos que influenciam nossas escolhas. Essa conscientização é fundamental para o processo de discernimento, pois nos ajuda a perceber quais são as moções que vêm de Deus e quais são as nossas próprias inclinações.
2º Preâmbulo: Composição de Lugar
Neste preâmbulo, somos convidados a nos colocar na presença de Deus e de todos os santos, buscando compreender o que mais agrada a Deus em nossa vida. É como se estivéssemos criando um cenário interior onde o encontro com o divino se torna possível.
- Relação com a eleição: Ao nos colocarmos na presença de Deus, estamos expressando nosso desejo de conhecer Sua vontade e de alinhar nossa vida à Sua. Essa atitude de abertura e disponibilidade é essencial para o processo de eleição, pois nos permite receber as inspirações divinas.
3º Preâmbulo: Petição a Deus
O terceiro preâmbulo consiste em uma oração direta a Deus, pedindo que Ele nos ilumine e nos guie em nossas escolhas. É um momento de entrega e confiança na providência divina.
- Relação com a eleição: A petição a Deus é um reconhecimento de nossa dependência d'Ele e de nossa necessidade de Sua graça. Ao pedir que Deus nos mostre o caminho a seguir, estamos nos colocando em uma postura de receptividade à Sua vontade.
A conexão entre os preâmbulos e a eleição
Os três preâmbulos estão interligados e se complementam. Ao reviver histórias (1º preâmbulo), nos colocamos em contato com nossas experiências e aprendizados. Ao criar um espaço interior para o encontro com Deus (2º preâmbulo), nos preparamos para receber a Sua graça. E ao fazer uma petição direta a Ele (3º preâmbulo), expressamos nosso desejo de conhecer Sua vontade e de cooperar com ela.
A eleição, por sua vez, é o resultado desse processo. É o momento em que, à luz da contemplação e do discernimento, tomamos uma decisão sobre o caminho a seguir. Essa decisão não é tomada de forma isolada, mas sim em sintonia com a vontade de Deus, que se manifesta através das moções interiores e dos acontecimentos da vida.
Em resumo: Os preâmbulos nos preparam para a eleição, criando um espaço interior propício para o encontro com Deus e para o discernimento de Sua vontade. Ao reviver histórias, nos colocamos em contato com nossas experiências e aprendizados. Ao criar um espaço de oração, nos abrimos à ação do Espírito Santo. E ao fazer uma petição, expressamos nosso desejo de conhecer a vontade de Deus e de cooperar com ela.
Analisando as Quatro Características da Eleição nos Exercícios Espirituais
A eleição, nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, é o ponto culminante do processo de discernimento. É o momento em que o exercitante, após um período de meditação, contemplação e exame de consciência, toma uma decisão sobre o caminho a seguir em sua vida. Inácio identifica quatro características principais desse processo:
1. Eleição e Contemplação dos Mistérios
A eleição não ocorre de forma isolada, mas está intrinsecamente ligada à contemplação dos mistérios da vida de Cristo. Ao meditar nos mistérios, o exercitante se coloca em contato com a realidade divina e se deixa moldar por ela. A contemplação não é apenas um exercício intelectual, mas uma experiência profunda que envolve todos os sentidos e afetos.
- Sinergia: A contemplação e a eleição ocorrem de forma sinérgica. Ao contemplar, o exercitante descobre a vontade de Deus para sua vida e, ao mesmo tempo, se dispõe a corresponder a essa vontade através da eleição.
2. Eleição e Sinergia
A eleição é um processo cooperativo entre Deus e o ser humano. Deus nos chama e nos atrai para si, e nós, por nossa vez, respondemos a esse chamado com liberdade e amor. A eleição é, portanto, um ato de co-criação, onde Deus e o ser humano trabalham juntos para realizar o plano divino.
- Perfeição: A eleição nos leva à perfeição, no sentido de alcançar a plenitude de nossa vocação. Ao escolher o caminho que Deus nos indica, estamos nos aproximando cada vez mais de nossa identidade mais profunda.
3. Eleição e Consolação
A consolação espiritual é um dos critérios mais importantes para o discernimento. As moções que nos levam à paz interior, à alegria e à esperança são sinais da presença de Deus em nossas vidas. A eleição, portanto, deve ser acompanhada de um sentimento de paz e de serenidade.
- Critério de verdade: A consolação é um critério de verdade para a eleição. Se uma decisão nos traz paz e alegria, é mais provável que seja a vontade de Deus para nós.
4. Eleição e Missão
A eleição não é um ato egoísta, mas está intimamente ligado à missão. Ao escolher o caminho que Deus nos indica, estamos nos colocando a serviço do Reino de Deus e buscando o bem dos outros. A eleição, portanto, nos impulsiona a sair de nós mesmos e a nos engajar em ações concretas.
- Ação contemplativa: A eleição nos leva a uma vida de ação contemplativa, onde a oração e a ação se integram de forma harmoniosa.
Em resumo: A eleição nos Exercícios Espirituais é um processo que envolve a contemplação dos mistérios, o discernimento das moções interiores, a cooperação com a graça de Deus e o compromisso com a missão. Ao escolher o caminho que Deus nos indica, estamos abraçando uma vida de plenitude e de serviço.
A Importância do Diretor Espiritual no Processo de Eleição
O processo de eleição, como descrito nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, é uma jornada pessoal e intransferível. Nessa jornada, o exercitante se encontra com as profundezas de seu ser, buscando discernir a vontade de Deus para sua vida. É nesse contexto que a figura do diretor espiritual ganha uma importância fundamental.
O diretor espiritual atua como um guia experiente que acompanha o exercitante em sua jornada de discernimento. Sua função é auxiliar o exercitante a:
- Compreender os Exercícios Espirituais: O diretor espiritual, familiarizado com os Exercícios, pode esclarecer dúvidas, aprofundar a compreensão dos textos e ajudar o exercitante a aplicar os ensinamentos de Santo Inácio à sua própria vida.
- Identificar as moções interiores: O discernimento das moções interiores é um dos aspectos mais desafiadores dos Exercícios. O diretor espiritual, com sua experiência, pode ajudar o exercitante a identificar as diferentes moções (consolação, desolação, etc.) e a discernir sua origem.
- Superar obstáculos: Ao longo do processo de discernimento, o exercitante pode enfrentar diversas dificuldades, como dúvidas, medos e tentações. O diretor espiritual oferece apoio emocional e espiritual, ajudando o exercitante a superar esses obstáculos.
- Tomar decisões: A decisão final, a eleição, é um momento crucial. O diretor espiritual auxilia o exercitante a tomar uma decisão livre e consciente, baseada na vontade de Deus e nas moções interiores.
Por que o acompanhamento espiritual é tão importante?
- Objetividade: O diretor espiritual oferece uma perspectiva externa, ajudando o exercitante a ver sua situação de forma mais clara e objetiva.
- Experiência: O diretor espiritual, por meio de sua própria experiência espiritual e de sua prática com outros exercitantes, pode oferecer insights valiosos.
- Confidencialidade: O acompanhamento espiritual acontece em um ambiente de confidencialidade, permitindo que o exercitante se expresse livremente e sem julgamentos.
- Responsabilidade: O diretor espiritual assume a responsabilidade de acompanhar o exercitante em sua jornada, oferecendo orientação e apoio.
Qualidades de um bom diretor espiritual:
- Formação teológica: O diretor espiritual deve ter uma sólida formação teológica, especialmente no que se refere à espiritualidade ignaciana.
- Experiência espiritual: É fundamental que o diretor espiritual tenha uma experiência pessoal profunda com Deus e com os Exercícios Espirituais.
- Habilidades de escuta: A capacidade de ouvir atentamente é essencial para o diretor espiritual, que precisa criar um ambiente seguro para que o exercitante possa se expressar livremente.
- Discernimento: O diretor espiritual deve ser capaz de discernir as moções interiores do exercitante e ajudá-lo a identificar a vontade de Deus.
- Humildade: O diretor espiritual deve reconhecer seus próprios limites e buscar constantemente aprofundar seus conhecimentos e sua espiritualidade.
Em resumo, o acompanhamento espiritual é um elemento fundamental no processo de eleição. O diretor espiritual, com sua experiência e sabedoria, auxilia o exercitante a desvendar os mistérios de seu coração e a descobrir a vontade de Deus para sua vida.
Quero recordar as palavras que Inácio escrevia a Teresa Rejadell numa célebre carta sobre o discernimento espiritual, em 1537. O último conselho diz assim: para em tudo acertar é mister olhar mais a necessidade dos outros do que o meu desejo.
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* BAseado em Pe. U. Vázquez SJ
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